Em depoimento, o dono da lanchonete chegou a dizer que não sabia que o
abate de cachorro era proibido no Brasil. Mais tarde, porém, ele admitiu
que sabia da ilegalidade e que recolhia os animais nas ruas da zona
norte.
Segundo a procuradora Guadalupe Louro Couto, a descoberta foi em 2013 e
causou angústia em toda equipe de fiscalização. "Já vi muita coisa
ruim, principalmente em trabalho que realizei em fazendas do Mato
Grosso. Mas o que eu encontrei naquela pastelaria foi o pior de tudo.
Para começar, havia uma cela, como se fosse uma cadeia, com grades e
cadeado, montada dentro da lanchonete, onde o trabalhador ficava
encarcerado. Além disso, ele convivia com o cheiro dos cachorros mortos,
que ficavam ao lado dele. Eu não aguentei. Quando senti o cheiro,
comecei a passar mal e pedi para sair do estabelecimento. Ao abrirmos as
caixas de isopor, vimos os cachorros congelados. Ficamos perplexos.
Foram vários crimes cometidos ali", disse a procuradora ao jornal.
A pastelaria foi descoberta durante uma operação contra o trabalho
escravo envolvendo chineses no Rio de Janeiro. A quadrilha investigada é
acusada de aliciar pessoas na província de Guagdong e trazê-las para o
Brasil, onde são exploradas em regime de trabalho escravo. Ao todo, três
inquéritos que investigam a prática foram abertos em 2013 e
encaminhados à Justiça Federal. Segundo o jornal, os chineses são
convencidos a vir com propostas de salários de R$ 2 mil, moradia e
alimentação de graça. Ao chegar, porém, eles recebem a notícia de que
vão trabalhar por três anos sem receber pagamentos em pastelarias da
cidade para cobrir as despesas das passagens aéreas.
Os chineses que foram libertados devem receber indenizações dos
ex-patrões após acordo feito com o Ministério Público do Trabalho.
Algumas vítimas, porém, foram incluídas em programas de proteção à
testemunha por causa de ameaças.
Atuação no aeroporto
Segundo a denúncia, a quadrilha tem acesso a áreas privativas do Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão. A Polícia Federal, responsável pelo setor de imigração, disse que não comenta investigações em andamento. Segundo uma das vítimas, um intérprete do consulado chinês seria um dos comerciantes do esquema. Questionado, o consulado disse que não disponibiliza tradutores para depoimentos à polícia ou à Justiça.
O caso da pastelaria em Parada de Lucas foi o que deu início às
investigações em 2013, quando o MPT denunciou o chinês Van Ruilonc, de
32 anos, dono do estabelecimento. Segundo a vítima de Ruilonc, ao chegar
ao Rio, um homem pegou seus documentos e "superando as restrições de
imigração, promoveu-lhe a entrada em território nacional". Além de ficar
presa, a vítima recebia pauladas e chibatadas, além de queimaduras com
cigarros. Atualmente, o trabalhador está no programa especial de
proteção à testemunha e seu algoz foi condenado a oito anos e seis meses
de prisão.
O segundo inquérito foi aberto em 2014, quando o MPT foi informado de
que um adolescente chinês havia fugido de uma pastelaria em Itaguaí. O
dono do estabelecimento investigado possuiu mais dez lojas no estado. Já
a terceira investigação, iniciada em abril deste ano, apura suposto
caso de trabalho escravo em uma pastelaria de Copacabana. "O
estabelecimento tinha 12 funcionários, dos quais três eram chineses.
Eles recebiam tratamento diferente. Ao contrário dos brasileiros, não
tinham salário e trabalhavam todos os dias", disse a procuradora Juliana
Mobelli.
Os donos dos estabelecimentos devolveram os passaportes dos empregados e se comprometeram a regularizar a situação trabalhista.
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